Esse foi o título de um artigo que escrevi pro Jornal A Tarde , lá pelos anos de 2005 quando tive Ananda, minha filha do meio. Estava completamente imersa no papel da mãe, fosse eu uma carta de tarô , seria a Rainha de Copas, curiosamente era a primeira vez que me sentia daquele jeito, apesar de já ter sido mãe antes. O artigo tratava da dificuldade que algumas mães sentem de lidar com suas crias bebês quando elas nascem e trazia como pano de fundo a teoria do apego (TA) e a etologia de Konrad Lorenz e seus gansos cinzentos . Esse post irá vistar um pouco esse lugar, complexo , desafiador e de muita responsabilidade : ser a rainha de todos os naipes do coração de um outro alguém.. sem estar nunca pronta e munida do seu próprio baralho. Aqui sou mãe 48horas por dia, sempre fui na verdade um pouco, mas fazia outras coisas quando morava em Salvador, exercia outros papéis e tinha outras pessoas para dividir essa função de cuidar dos meus filhos quando eu não estava presente. Vou tentar resumir um pouquinho sobre o tal do Grude.. e como aprendemos a gostar das pessoas que amamos.
A Teoria do Apego se baseia na premissa de que os seres humanos, assim como outros animais apresentam uma inclinação natural para construir vínculos afetivos que, ao longo do tempo, podem se tornar insubstituíveis. E isso se explica pelo fato de que, por virem ao mundo em uma condição de extrema vulnerabilidade fisiológica, os bebês humanos dependem de alguém que lhes forneça os cuidados essenciais, a esses cuidados, chamamos de vínculos primários.
Seria como um carimbo que recebemos e pelo qual nos guiamos pelos nossos caminhos afetivos vida a fora, muitos estudaram esse comportamento/fenômeno, mas nenhum tão amplamente e com tanto charme, eu preciso adicionar aqui, como o austríaco naturalista Konrad Lorenz (1903 - 1989), um dos fundadores da etologia (o estudo do comportamento animal). Ele descobriu que, se gansos cinzentos fossem criados por ele desde filhotinhos, eles o seguiriam como se fosse sua mãe. Os gansinhos seguiam Lorenz até mesmo depois de se tornaram adultos e manifestavam uma maior preferência por ele do que por outros gansos! Assim os cuidados recebidos por alguém nos primeiros momentos da vida seriam essenciais para a estruturação emocional e relações afetivas e de apegos e desapegos futuras.
Em 2005 estava estudando sobre a tal teoria do grude, em bom baianês, sou educadora e tinha na época uns alunos bem desafiadores ( TDHEA, TOC, TIFO, TUQUE e outras siglas nem inventadas ainda) no mesmo período passei uma parte de minhas férias na praia com uma família que também tinha um bebê da mesma idade que Ananda, cuja babá se ocupava dela o tempo inteiro, realizando quase sozinha todas as funções: alimentando, ninando e inclusive acordando de madrugada caso houvesse necessidade. A porta do quarto dos pais ficava trancada e eles não podiam ser incomodados. Recentemente tive a oportunidade de passar um tempo com a mesma família 9 anos depois, a babá que cuidou da criança foi embora há muito tempo, e hoje os pais se dedicam exclusivamente aos filhos e tenho certeza que os amam profundamente.
Incrível como 9 anos depois essa criança carrega as marcas (imprintings) dessa falta de vínculo primário inicial com a sua própria família, necessitando, buscando a todo momento uma mãe que não existe pois já se foi, partiu,deixando-a para trás. A mãe que ficou não é a reconhecida pelas suas emoções mais remotas e inconscientes. Em um dos momentos que ficou assustada, nesse dia ela tinha ficado sozinha no circo para a mãe ir se trocar em casa, veio pra cá , somos vizinhos do circo. Eu e Lelo ficamos muito impactados pelo estado emocional dela, chorava muito, quase vomitando de tanto nervoso, sem nenhum controle sobre suas emoções . Ofereci meu colo e lhe contei uma historia sobre uma menina que precisou ir buscar as suas próprias cores num arco-íris, essa história de minha autoria, havia sido escrita talvez movida pela minha própria orfandadE emocional , mas achei que pudesse servi-la de alguma forma. No final ela me disse: "me sinto assim, parece que a minha mãe nunca mais vai voltar quando fico longe dela". De fato, a mãe inconsicente dela, das suas primeiras lembranças de cuidados e afeto, nunca mais vai voltar. Foi embora há muito tempo, a que ficou , a sua mãe verdadeira, que muito a ama e cuida hoje, terá que ir buscar a si mesma enquanto mãe e mulher..nas profundezas de suas sombras... então e somente então irá conseguir resgatar a sua cria dessa solidão interna tão profunda. Parece exagerado né? mas é que somos criaturas sensíveis mesmo, todos nós, não somos máquinas. Fomos pensados para o amor e para as sutilezas da vida, talvez ,por um descuido,resolvemos deixar pra trás essa vocação e destino biológicos em troca de uma vida corrida de afazeres e coisas. As vezes pagamos um preço caro, as vezes não sai tão caro, mas nada demais também, tudo pode ser superado com um pouco de vontade e caminho.
A dica de ouro, depois de 3 filhos e alguns erros e acertos ao longo desse caminho , eu arriscaria dizer que é amar muito os nossos filhos , envolvê-los com todo o nosso amor e presença , cuidar e passar tempo com eles, conheçendo-os , reverenciando sem altares as suas dores e delícias . Eu também recomendaria uma certa dose de exposição ridícula e de aventuas, vivê-las ou contá-las. Mas não dê coisas, nesse quesito quanto menos, melhor..
Acho que o mais bacana é temos a nossa própria vida, amigos, livros e compartilhar todo esse acervo emocional com eles , os momentos bons e ruins também. Viver plenamente perto deles , conversar francamente sobre as emoções e belezas do mundo, da maravilha que é estar vivo e poder estar com todas as pessoas que escolhemos estar. Provavelmente eles irão se contaminar com a sua paixão pela vida e pelas pessoas. De resto a vida resolve, se não resolver há sempre bons terapeutas por aí , inclusive no SUS, graças aos governos Lula / Dilma ( não podia deixar de fazer minha propaganda, continue lendo por favor, mesmo se votou em Aécio..já houve um perdão coletivo para todos vocês). Na vida, com certeza, a exceção da morte, tudo tem jeito com uma boa dose de humor e de amor. Até para os coxinhas..que com certeza devem ter sido criados por babás...ou não.
Queria deixar uma dica de livro muito bom para quem estiver nesse momento mãe x bebês e tudo junto agora: Maternidade e o encontro com a sua sombra, me ajudou muito entender os pprocessos mais inconscientes de quando nos tornamos mãe, vale a pena a leitura.
Um outro artigo massa também é um sobre como os pais, movidos por essa culpa do abandono, resolvem superar isso colocando os filhos no centro das suas vidas:
http://www.contioutra.com/infantolatria-as-consequencias-de-deixar-a-crianca-ser-o-centro-da-familia/