Quanto mais a obra se aproxima do fim, mais cresce a certeza de que não vamos conseguir. Não vamos conseguir tirar os pedreiros de nossas vidas, ou não vamos conseguir acabar a casa depois de tirar os pedreiros de nossas vidas, ou não vamos conseguir pagá-los, ou todas as alternativas anteriores. Dizem que a obra de uma casa é um dos maiores provas de fogo de um casamento. No dia 23 de dezembro de 2014, 16 anos depois de nossas núpcias e três dias depois do terceiro aniversário de nossa terceira filha, Marina, nós, Aurelio e Milena, iniciamos a empreitada de nossa segunda casa como se fosse a primeira. Deixamos para trás nossos empregos, uma casa bonita com piscina e quintal a 2km da praia mais badalada da Região Metropolitana de Salvador, escolas dos filhos e caímos na estrada rumo ao Oeste, mais precisamente Vale do Capão, município de Palmeiras, Chapada Diamantina, Bahia. Passamos a viver acampados numa barraca de camping de 15 metros quadrados instalada a 5 metros da obra de nossa casa. Parece insano, e é, ainda mais se acrescido do fato de que, passados mais de três meses, ainda não sabemos ao certo como iremos bancar as dívidas e empréstimos contraídos para realizar esse sonho. Mas se nem tudo é o que parece, é preciso pontuar que nossa vida burguesa em Lauro de Freitas não era tão discretamente charmosa quanto a descrição acima dá a entender à primeira vista; e nem o nosso casamento andava assim tão sólido que não merecesse um desafio a essa altura para se renovar. Não, não se trata de um diário pormenorizado da obra; de um reality show sobre relacionamentos escrito na primeira pessoa do plural. Nem estamos aqui para dar dicas práticas sobre bioconstrução, muito menos de como manter uma vida feliz e saudável em meio ao entulho, ao barulho e à poeira (apesar do know how adquirido recentemente). Esse não é, definitivamente, um manual prático sob nenhum aspecto, não pretende ser um guia de autoajuda – expressão que por si mesma já encerra um enorme contrassenso. Também não temos a ilusão de entrar para o Guiness Book como o casal mais aventureiro do mundo, tampouco a pretensão de servir de inspiração para a busca de uma vida alternativa ao lado da natureza e distante dos grandes centros de consumo – embora essa utopia ainda não esteja descartada. Falar abertamente de uma experiência tão íntima, compartilhar um pouco dos temores, expor as dores, delícias e até os ridículos desse momento de nossas vidas é para nós uma forma de aproximar esse nosso cantar vagabundo com você, caro estranho, que está aí do outro lado, noutro sonho feliz de cidade, velando pela alegria do mundo, tal qual a gente vai tentando fazer do lado de cá. Esperamos que você possa nos acompanhar nessa jornada.
. Aurelio Nunes, 44, é jornalista, mas também lava, passa e cozinha enquanto Milena Velloso, 43, coordenadora de projetos, pinta, rejunta e paga as contas.